Susana Sánchez Arins
As abelhas são também a surpresa. Aprender na escola que esses movimentos loucos na busca do lugar certo para cravar o aguilhão, não são outra cousa que uma dança. O falar entre elas. Este é bom prado, lá ao fundo há uns mentrastes de chuchar os dedos, escusades entrar nessa veiga, têm todo roçado. Encontrar sentido ao agitamento, dar com um ritmo de beleza nos círculos, nas espirais, nas saudações ao sol. E desejar compreender essa língua estranha. Conhecer a pronúncia calada das palavras exatas. Perceber as mensagens mesmo sabendo-as desnecessárias: para que quereria eu paisagens com flores, flores com estames, estames com anteras, anteras enchidas de grãos de pólen? Para que?
As abelhas são a sala da casa, papel pintado nas paredes, onde uma mestra, uma rainha, decidiu fazer ninho, quem sabe se levada polas tropicais flores em decoração. Na câmara de ar, entre os muros da casa. Foi sabido quando nos quartos se estendeu um arrecendo a ambrosia e flores amarelas. E houve que chamar fumigadoras, ou buscar o favo e retirá-lo, ou espalhar pimenta nas fendas, ou escavar entre tijolos até dar com a rainha, com a mestra, mas o recendo a ambrosia e flores amarelas foi para sempre, com e sem abelhas.
As abelhas são o abrir de janelas: está cativa, deixa-a fugir, leva-a à corrente com as mãos em dança. Não como as moscas. Com elas, pelejas por esmagar contra o vidro e sentir o crepitar de asas rotas. As abelhas não. As abelhas não admitem crueldade. Quem mata uma abelha tem cem anos de pena. Que lhes contarão às abelhas de nós? Haverá alguém que as advirta? Alguém haverá que as ponha sobre aviso? Alguém as calmará com a mentira de que morremos em cravando a nossa agulha?
As abelhas são a comunidade, um monte delas em feminino, procurando juntas o sustento, fazendo da necessidade, dança, do viver, beleza. As abelhas são um monte delas em feminino, estercando o mundo em pólen, estendendo as sementes polo ar e polo vento. E são o encontro na colmeia, entre tequilas e limão e sal, para partilhar silêncios e cuspes. Metáfora da vida em feminista: operárias a fecundar a terra, a encher cadernos e folhas íntimas, e os abáscaros na taberna do compadre, também polo vento, também polo ar.
As abelhas são o lugar vedado, lá não, que há um ninho, lá não, que tem o avô as colmeias, lá não, que defendem a casa com fereza de leoas. E a picada da tentação, da desobediência, o atrevimento de quem não foi aguilhoada. A ousadia, mais grande ainda, de quem já levou ferida. O medo ainda presente porque nunca picaram. Nunca a punçada, nunca a calor latente, nunca o inchaço. E chega a abelha e revoa e zoa e o único pensamento possível é o de e será esta a vez primeira? E doerá tanto? E tenho a mão moeda, vinagre, prata em gume de cuitelo?
Toda esta memória, todos estes ecos que as abelhas trouxeram com elas, podem ser condensados em duas palavras: a picada e a beleza. E isso é a boa poesia. E isso é o quarto das abelhas: beleza que prói e contra a que nada valem a prata, nem o frio.
Arcos de Arriba, 4 de maio de 2017
* Intervención na presentación do libro de Antía Otero "O cuarto das abellas"