Xoán M. Paredes
Quadrou que levava uns tempos falando sobre o ordenamento e planeamento territorial galego quando apareceu a notícia da fusão dos concelhos de Cerdedo e Cotobade. Quadrou também que chegou até mim uma cópia do “Informe Xustificativo” cerdedense, e da incredulidade passei a lembrar o dito acima: quem escreveu tal cousa seguramente nunca viu diante uma memória geográfica, um informe territorial, um estudo de campo profissional, nem nada parecido.
O texto autocomplacente mistura uma mera enumeração de elementos com conclusões sem fundamento, como o mago que fai um truque sem sabermos como.
Esqueçamos por um instante que algo tão sério como uma fusão municipal deveria ir acompanhada como mínimo por um plano municipal completo, para que o novo concelho tivera alguma esperança de vida no momento da sua gestação. Esqueçamos que tal plano deveria responder à chamada 'planificação territorial estratégica', que é como se fazem estas cousas pelo mundo (não há que inventar nada) e que na nossa Terra é, por desgraça, ficção científica. O facto é que o nomeado informe não tem valor técnico e chega a afirmações erradas baseadas em dados parciais e sem contraste.
Começa bem, curiosamente, quando no primeiro parágrafo afirma-se que “o marco territorial está obsoleto e non responde [ás] características actuais da sociedade galega”. Efectivamente, é uma desfeita, e as províncias/deputações e municípios são parte intrínseca desse problema, mas não pelo que o concelho de Cerdedo suspeita. Este é um debate tão velho e documentado como a mesma aparição dessas províncias e municípios a partires de 1833, que vieram a rachar coa estrutura espacial galega tradicional, criando toda uma série de desajustes que sofremos desde então.
Seguem-se depois obviedades (“as previsións demográficas de ambos concellos empezan a ser preocupantes” - começam?), momentos de vergonha alheia (“o proceso de fusión implica o incremento de poboación nunha magnitude que ningún dos preexistentes podería conseguir en décadas” – e se juntáramos cinco melhor), que derivam em especulações (“é lóxico supoñer que a xestión conxunta de servizos suporá un aforro considerable” - supor algo tão delicado sem contraste de dados é muito arriscado), e falsidades (“importante semellanza territorial entre os concellos”).
Uma olhada rápida ao mapa do novo concelho dá para ver como há duas unidades morfo-geográficas claras, com uma possível terceira no norte-noroeste sem continuidade territorial e que reflexa, aliás, como os concelhos actuais foram mal delimitados já no seu momento. As divisões administrativas bem poderiam ter sido feitas ou refeitas de várias formas diferentes tendo em conta os outros concelhos da contorna. Em todo caso, o novo concelho Cerdedo-Cotobade seria uma estrutura ainda mais deslabaçada, que continuaria a actuar como dous, ou mais, blocos independentes. Além disso, as fotocopias com estatísticas e gráficas diversas - anexas como 'prova definitiva' e onde devemos jogar à dedução e ao 'encontra as semelhanças' pela nossa conta - não são analisadas em paralelo, seguramente porque ao extrapolarmos dados e percentagens vemos que as dinâmicas sócio-económicas de ambos concelhos sim apresentam diferenças, diferenças que terão que ser harmonizadas seguindo um detalhado plano de... ah, que não havia plano.
Contudo, o mais rechamante deste caso centra-se na questão demográfica como principal escusa do casamento municipal. O cálculo oficialista vira arredor do axioma 'a mais população mais ajudas, a mais ajudas menor perda populacional' (“[a] fusión é un instrumento estratéxico de primeira magnitude para asegurar a supervivencia e sustentabilidade a medio e longo prazo”). Lamentavelmente, não se explica qual é a correlação entre dinheiro e correcção do saldo vegetativo negativo, basicamente porque não é automática. Também não se explica se houve medidas de correcção no passado, quais foram, se falharam e porque falharam, que garante que vaiam funcionar no novo concelho, etc. Há novas projecções e estudos? Dependerá o porvir deste novo super-concelho das esmolas da Xunta para sempre? Em que se vão gastar? Exactamente como se vai garantir o fornecimento de serviços? Porque não se pulou pelo plano comarcal e a colaboração regular dentro desse quadro, fazendo fronte comum entre varios concelhos? São alguns dos aspectos que deveriam estar explicados pelo miúdo. O documento chega até o absurdo de indicar que de não cumprir-se esta união cairia-se na “inacción administrativa”... é assim como vêem a sua própria gestão?
Fala-se de “implantación de actividades económicas e industriais” pois o “novo concello goza dun posicionamento estratéxico derivado da súa boa comunicación”. Agromam mais perguntas cujas respostas também tinham que estar já no papel: São actividades desenvolvimentistas clássicas? A fracassada estratégia de parques industriais? Algo novo? O que? Como? Actividades económicas de que tipo? Vencelhadas ao turismo e património natural e cultural que leva anos sendo ignorado e sepultado por silveiras e parques eólicos? Vai parar o AVE em Cerdedo ou Cotobade depois de fracturar ainda mais o território? Serviria realmente para algo? Vão-se elaborar memórias económicas e sectoriais pormenorizadas com projecções de futuro como parte dum plano final? E seica o novo concelho vai mudar de localização, que agora não está bem posicionado... isso sim é novidade!
Poderíamos comentar os motivos da generalizada perda de população do rural galego, que é outro longo debate e que nos traria de volta ao caos territorial. Como resumo, pode-se dizer que não há um modelo territorial claro para Galiza, uma ideia do que somos e aonde queremos ir. Não há uma referência nem um guia para o planeamento espacial que poida ser utilizada por planos municipais coordenados, entre eles e com outros planos. Cita-se “A Xunta de Galicia tamén realiza un considerable esforzo de apoio aos procesos de fusión”, mas não se repara em que a própria Xunta é a grande responsável dessa falta de modelo. Para rematar, com esta fusão destrói-se alegremente o mapa comarcal (da Xunta) de 1997, isto é, o pouco que talvez algum dia poderia chegar a servir como alternativa vertebradora dos distintos níveis territoriais. A desacertada frase “Os concellos ... aínda que pertencentes a distintas comarcas ... presentan unha indudable [sic] similitude e continuidade” provoca o desacougo de saber que estamos em mãos desinformadas e portanto, dada a sua responsabilidade pública, incompetentes.
É uma necessidade urgente podermos estabelecer esse modelo territorial consensuado no que implementarmos actuações lógicas e razoadas, sabendo que podemos errar, o cal é humano, mas nunca por causa do desespero, improvisação ou ignorância. As fusões municipais por elas mesmas não resolverão grande cousa, criando-se com elas novas jurisdições artificiais num marco geral eivado, novos pólos e novos fluxos dos que não sabemos nada. No melhor dos casos, será uma dessas situações de 'pão para hoje' quando a Galiza precisa primeiro duma reformulação espacial total.
E a democracia, é verdade, a democracia. Que importante é. Porém, há que lembrar que a democracia alicerça-se na informação. Dispormos de todos os dados é o requisito inicial para começar a te-la, e isso não se resolve com algumas palestrinhas informativas a posteriori e anúncios populistas de 'referendos' uma vez feita a foto com o Presidente dando-o tudo por fechado. Tampouco limitando o aceso a este 'Informe' em sede municipal durante umas horas e uns dias determinados, havendo internet.
É certo que existe um subtil equilíbrio entre atingir o 'bem da maioria', as iniciativas administrativas, a vontade popular e os critérios técnicos, mas isso precisamente implica governar. Por esta razão falava no começo do planeamento estratégico, que numa situação como esta determina os passos a seguir desde um ponto de vista técnico mas, igualmente, detalha como a cidadania deve estar totalmente informada e formar parte do processo antes, durante e depois do seu desenvolvimento, execução e seguimento. Noutras palavras, a proposta de fusão Cerdedo-Cotobade deveria ter seguido umas etapas bem definidas sob constante escrutínio público. No fim, este é um tema crítico que afecta o futuro dos vizinhos e vizinhas e que precisa de todas as garantias possíveis.
A propósito, democracia também teria sido incluir algo tão sensível nos programas das eleições locais do ano passado, e não vir agora com umas presas incompreensíveis quando se requer um processo lento e pausado, mas temo que isso dá para outro escrito.