Anjo Torres Cortiço
Um antecedente combativo que nos pareceu acaído para um coletivo que queria dar algo de guerra num território que leva demasiados anos sumido na paz dos cemitérios, o território que durante mais de um século e até há dous dias se conhecia pelo nome de “Ayuntamiento de Cerdedo” ou também “Concello de Cerdedo”. Uma terra à que nos unem laços de vizinhança, familiares ou de interesse e gosto pessoal. E uma terra que necessitava que, como mínimo, alguém lhe metesse o dedo no olho ao ruim caciquismo dominante tantas vezes como for possível.
Assim começou a caminhar um projeto que se afastou do associacionismo ao uso, fugindo dos formalismos habituais e parecendo-se mais a uma espécie de “grupo de afinidade” que, porém, esteve (e está) aberto à participação de quem tiver interesse. É assim como nestes quatro anos fomos somando, felizmente, novas e novos amigos.
A consigna era clara: passá-lo bem, conhecer e desvelar os secretos deste cachinho do País e assinalar a quem estava a perpetrar a sua morte programada. A partir de aí iniciou-se a nossa jeira de caminhadas pelas pistas, congostras e rios das freguesias de Cerdedo, Pedre, Figueiroa, Quireza, Folgoso, Tomonde, Parada e Castro (e alguma outra de Terra de Montes e mesmo de fora da comarca).
Muitas sidras, cafés, cervejas e vinhos depois o balanço, humildemente, não está mal de tudo. Podemos mencionar a património histórico achado e dado a conhecer através da imprensa e de visitas guiadas (tentando paliar a ineptitude, ignorância e falta de vontade do governo municipal), a exitosa convocatória anual do “Roteiro da Pantalha” na noite do 31 de outubro (em parceria com a associação pontevedresa Amig@s da Cultura até a edição deste ano), a nossa aportação para a recuperação da memória do Cerdedo rebelde e popular, a teima na defesa do território e na denúncia dos projetos de infraestruturas e indústrias desnecessárias e agressivas como o AVE ou o parque eólico do Campo das Antas ou a recente coorganização da “XXIX Romagem de Crentes Galegas” da associação Irimia que reuniou no Monte do Seixo mais de um milhar de pessoas vindas de toda a Galiza e que contou também com a colaboração da associação Canón de Pau de Cotobade.
Até aqui uma pequena apresentação de Capitão Gosende. E agora que Cerdedo não existe mais?
Liquidado o concelho de Cerdedo e integradas as suas freguesias num novo ente artificial que o caciquismo inventou como um remendo de curto percorrido com o que tentar fazer ver que fazem algo para evitar o que eles mesmos provocaram (quanto demorará “Cerdedo-Cotobade”, sem medidas mais profundas que esta fusão, em voltar a ficar por baixo de 5000 habitantes?), quiçá seja o tempo de voltar a reivindicar com força a milenar Terra de Montes em toda a sua amplitude e com todas as suas paróquias. Percorrê-la saltando as linhas arbitrárias de concelhos e províncias, contribuir para estreitar laços de novo e manter viva a identidade do berce do Padre Sarmento, de Manuela de Barro, de Avelino Cachafeiro, de Chano Pinheiro e de tantos e tantas labregas, canteiros, artistas, agraristas, sindicalistas e intelectuais que pularam pelo bem do País e a justiça social. E é que nós, igual que nos amparamos na lembrança do Capitão Gosende, também o fazemos na dos labregos que expulsaram o invasor francês (o exército mais poderoso do mundo daquela); na das irmandinhas derrubando a fortaleza do Castro de Montes, o símbolo do domínio feudal e clerical; na da união entre agraristas e sindicalistas que estava a fazer possível o impossível e por isso foi brutalmente ceifada pelos que só são democratas quando vão ganhando…
Desde logo resta muito por fazer e, ainda que as dificuldades sejam muitas numa terra avelhentada e em devalo demográfico continuado, cumpre que quem tenha azos faga o possível porque a Terra de Montes tenha uma nova vida. Pela nossa parte, enquanto houver força e vontade, seguiremos a percorrer os caminhos para, como diria um companheiro, fazermos valer o fermoso sobre o bonito, que já é bastante…
* Foi publicado por primeira vez na web A verdade da Terra de Montes em 2016 e foi empregado como limiar do livro "Ao saimento de nós. Retrincos da intrahistoria de Cerdedo IV" de Carlos Solla (Coleção Cerdedo in the Voyager, Ed. Morgante 2017).