no pátio da casa-escola nasceu um carvalho. foi milagrento.
as mestras do fojo pediram um arranjo do recinto, porque a meninhada brincava nas poças quando a chúvia e na poeira quando o sol. o concelho encheu o pátio de seixo. ademais, em cada recreio, uma turva de mais de quarenta crianças (eram tempos em que as aldeias tinham crianças) irrompia desde as aulas feita marabunta.
e aí, no ermo de um pátio de rebo esmagado por pés de meninhos corredores, nasceu um carvalho.
para nós foi assim tão milagreiro que nos lembro indo junto minha mãe anunciando a boa nova. como se em vez de carvalho nascera um cristinho. tinha que ter nascido dalgum espírito santo, porque na volta não havia nengum carvalho grande que pudera fazer de pai, tão sequer putativo.
daquela, o rebento virou o nosso protegido. não deixavamos a ninguém tocá-lo. se vinham dias de seca, regavamo-lo, arrincavamos as ervas para que colhera o sol... e aprendemos que isso de que as árvores galegas crescem lentas era uma mentira enorme. porque viamos a árvore crescer.
anos depois, nos nossos doze anos de tardes de verão eternas jogando às escondidas, o agocho preferido era tombar-nos no chão por trás de um carvalhote que já nos chegava pola cintura. um carvalhote que saiu especial, pois deu em botar dous galhos e apontar ao céu em duas direcções.
para ele não sentir-se sozinho nesse ermo de pátio de escola, roubamos no monte um acrivro e plantamos-lho ao carão. um dia descobrimos uma planta estranha agromando ao seu pé: a silbarbeira. e uns tempos depois, numa das nossas incursões no monte vizinho, demos com um triste e pequeneiro castanheiro abrindo-se caminho entre eucaliptos e pinheiros. decidimos que havia crescer melhor perto do carvalho. e uma tarde, uma panda de nenas e nenos surgimos da espessura custodiando ao meu irmão, que puxava pola carretilha onde viajava à árvore rumo a um mundo novo.
hoje, carvalho, acivro, castanheiro e silbarbeira continuam a acompanhar as nossas vidas. estám grandes e frondosos. o pátio de seixos virou jardim rebordante de árvores, que podem parecer velhas, mas não passam das duas décadas. quando as minhas sobrinhas, hoje bebas, fagam os doze anos, e se incomodem com os avós porque não as deixem sair ou jogar na play poderám fugir da casa, agatunhar árvores acima e ruminar a sua adolescência entre as folhas do carvalho.
e saberám o que nós ignoravamos: que esse carvalho não foi um milagre mas o resto de um naufrágio: porque a casa-escola e toda a aldeia do fojo estám edificadas na que fóra a carvalheira do rei, pouco a pouco, em só cinquenta anos, tronçada e reduzida ao nada para erigir casas, cortes, eiras, alpendres e pistas.
a landra que abrolhou no pátio da casa-escola não era outra cousa que a memória do lugar negando-se ao esquecemento.
as mestras do fojo pediram um arranjo do recinto, porque a meninhada brincava nas poças quando a chúvia e na poeira quando o sol. o concelho encheu o pátio de seixo. ademais, em cada recreio, uma turva de mais de quarenta crianças (eram tempos em que as aldeias tinham crianças) irrompia desde as aulas feita marabunta.
e aí, no ermo de um pátio de rebo esmagado por pés de meninhos corredores, nasceu um carvalho.
para nós foi assim tão milagreiro que nos lembro indo junto minha mãe anunciando a boa nova. como se em vez de carvalho nascera um cristinho. tinha que ter nascido dalgum espírito santo, porque na volta não havia nengum carvalho grande que pudera fazer de pai, tão sequer putativo.
daquela, o rebento virou o nosso protegido. não deixavamos a ninguém tocá-lo. se vinham dias de seca, regavamo-lo, arrincavamos as ervas para que colhera o sol... e aprendemos que isso de que as árvores galegas crescem lentas era uma mentira enorme. porque viamos a árvore crescer.
anos depois, nos nossos doze anos de tardes de verão eternas jogando às escondidas, o agocho preferido era tombar-nos no chão por trás de um carvalhote que já nos chegava pola cintura. um carvalhote que saiu especial, pois deu em botar dous galhos e apontar ao céu em duas direcções.
para ele não sentir-se sozinho nesse ermo de pátio de escola, roubamos no monte um acrivro e plantamos-lho ao carão. um dia descobrimos uma planta estranha agromando ao seu pé: a silbarbeira. e uns tempos depois, numa das nossas incursões no monte vizinho, demos com um triste e pequeneiro castanheiro abrindo-se caminho entre eucaliptos e pinheiros. decidimos que havia crescer melhor perto do carvalho. e uma tarde, uma panda de nenas e nenos surgimos da espessura custodiando ao meu irmão, que puxava pola carretilha onde viajava à árvore rumo a um mundo novo.
hoje, carvalho, acivro, castanheiro e silbarbeira continuam a acompanhar as nossas vidas. estám grandes e frondosos. o pátio de seixos virou jardim rebordante de árvores, que podem parecer velhas, mas não passam das duas décadas. quando as minhas sobrinhas, hoje bebas, fagam os doze anos, e se incomodem com os avós porque não as deixem sair ou jogar na play poderám fugir da casa, agatunhar árvores acima e ruminar a sua adolescência entre as folhas do carvalho.
e saberám o que nós ignoravamos: que esse carvalho não foi um milagre mas o resto de um naufrágio: porque a casa-escola e toda a aldeia do fojo estám edificadas na que fóra a carvalheira do rei, pouco a pouco, em só cinquenta anos, tronçada e reduzida ao nada para erigir casas, cortes, eiras, alpendres e pistas.
a landra que abrolhou no pátio da casa-escola não era outra cousa que a memória do lugar negando-se ao esquecemento.